Vejam esse artigo (é um pouco longo, mas vale a pena ler) escrito poucos dias antes de acabar a greve dos educadores Baianos. Demonstra com muita clareza a truculência do governo de Jaques Wagner, a resistência dos grevistas que conseguiram superar os ataques e ficaram até o final do movimento e as consequências políticas que o governador e seu partido, o PT, estão sofrendo pela intrasigência em negociar e pelo descaso com a educação pública.
Reparem que os problemas, as ações do governo e as reivindicações são as mesmas que temos e fazemos aqui em Minas, o que muda é o partido, aqui é PSDB, lá é PT.Uma outra questão interessante é que esse artigo foi publicado no site da CNTE, que é, históricamente ligada ao PT, mas os ataques dos governantes petistas aos serviços e servidores públicos são tantos e os métodos utilizados são tão iguais aos governantes de outros partidos, que até mesmo as organizações governistas, como a CNTE, estão tendo que reagir contra o governos que apoiam. Mais de 100 dias de greve na BA: a lição que J. Wagner não aprendeu |
Quarta-feira, 08 de Agosto de 2012 |
Os professores da rede estadual de
ensino da Bahia realizaram uma greve, que ultrapassou os cento e treze
dias de paralisação, o que representa o movimento grevista de mais longa
duração no Estado. A greve reivindicava o reajuste de 22,22%
correspondente ao índice determinado pela Lei do Piso Nacional Salarial
do Magistério, conforme acordo assinado entre o sindicato e o governo do
Estado no final de 2011. Com o não cumprimento do acordo, a greve por
tempo indeterminado teve início em abril.
Como faz questão de divulgar o governo
do Estado, a paralisação nesse momento conta com a participação de
aproximadamente 20% dos professores e escolas. O que não diz o governo
do Estado, é que antes de se completar o primeiro mês de greve o
pagamento dos salários foi cortado para os grevistas, o repasse das
mensalidades sindicais descontadas na folha foi suspenso e a máquina de
intimidação do estado foi colocada em movimento para tentar sufocar a
luta dos professores. A pressão pela imprensa, a demissão sumária de
centenas de professores temporários que se recusaram a voltar ao
trabalho, a contratação de substitutos, além dos processos abertos
contra professores grevistas.
E repetindo o método utilizado na greve
dos policiais militares, o governo e seus representantes iniciaram pela
imprensa e redes sociais uma campanha voltada a desmoralizar as
lideranças do movimento, dizendo que a greve era motivada por disputa
entre grupos políticos do sindicato, que o principal dirigente sindical
pretendia utilizar a greve para se eleger vereador, entre outras
acusações que reproduzem métodos conhecidos por quem militou no
movimento sindical nas décadas de 70 e 80 do século passado, e que o
governo baiano ressuscitou com maestria.
Desgaste
Todo trabalhador, seja da iniciativa
privada ou do funcionalismo, que já participou de forma ativa de uma
greve, sabe o quanto é desgastante mobilizar, organizar e sustentar um
movimento grevista. As divergências com os colegas de trabalho, a
pressão dos usuários, os enfrentamentos com as chefias, o cansaço de se
ir aos locais de trabalho discutir as razões do movimento grevista, as
assembleias cansativas, o desgaste pelo esforço cotidiano de manter os
colegas animados mesmo quando não existe perspectiva de vitória a curto
prazo. Some-se a tudo isso a falta de dinheiro, a pouca alimentação e os
problemas familiares que vão se acumulando a cada dia que a greve vai
se arrastando.
Esse quadro se agrava ainda mais quando
existe a ação repressiva por parte do governo, em especial com o corte
do salário, que significa a impossibilidade da manutenção básica da
família, do pagamento das contas, ou seja, a quase inviabilidade da
sobrevivência física e psicológica. Como pode um professor ou uma
professora se manter em greve por mais de 100 dias sem receber nenhum
salário?
A esse respeito escreveu a Professora Maria do Socorro Aquino:
"O que mais me surpreende é o pouco caso
com que as autoridades e a imprensa em geral estão tratando o caso.
Políticos preocupados com a corrida eleitoreira e a imprensa com
notícias parciais, aceitando divulgar inverdades a respeito dos
professores, de forma insensata e leviana. Vi professores chorando de
indignação e vergonha, mas resistindo bravamente. A greve é um grito de
chega dos professores. Grito ouvido por poucos e tratado de forma
desrespeitosa pelos responsáveis pela resolução do problema.
Cem Dias de Solidão
Daí a sensação de cem dias de solidão.
Cada professor conta com sua força e sua convicção para manter-se
incorruptível, mesmo com salários cortados e as dificuldades a bater na
porta. E contam uns com os outros, em uma demonstração de solidariedade
que fortalece o que acredito ser o papel da educação: não perder a
capacidade de indignar-se, ser moralmente capaz de sustentar o que
ensina nos duzentos dias letivos de todos os anos da vida profissional,
ser capaz de lutar pelo que acredita e inspirar isso nos alunos. Não
estamos na escola para ensinar conteúdos apenas, pois estes mudam, assim
como muda o mundo. Estamos na escola para ensinarmos, também, que é
possível construir uma sociedade justa e igualitária e que para tal
acontecer é preciso lutar".
Como a professora Maria do Socorro,
devem pensar e agir a grande maioria dos homens e mulheres, educadores,
que resistiram bravamente esses mais de cem dias de dura, sofrida, mas
corajosa luta. Tudo indica que a greve deve ser interrompida, pois no
momento em que escrevo esse texto, dia 03 de agosto, está ocorrendo uma
assembleia que deve votar pela suspensão da paralisação e retorno ao
trabalho.
E o governo foi derrotado definitivamente.
Perdeu por serem esses professores que
resistiram durante todo esse tempo o que tem de melhor no magistério
baiano. Isso não significa que os demais não sejam bons professores,
pois são com certeza, e só saíram da greve por não resistirem à pressão
terrível da luta pela sobrevivência. A diferença é que esses que
permaneceram até a assembleia final, são os que militam cotidianamente
por uma escola e uma sociedade mais justa e igualitária, os que não se
entregam facilmente às promessas e acenos de qualquer governo
aventureiro, que são capazes de colocar os interesses sociais e
coletivos à frente dos individuais. São os que lutam por uma nova
sociedade e uma nova forma de se fazer política. E o governo Jaques
Wagner os perdeu definitivamente, e por isso sua derrota no mundo real é
também definitiva.
Perdeu, pois por mais que tenha
utilizado a imprensa e outros recursos à disposição da máquina estatal
para isolar e fragilizar a luta dos professores, tentando jogar alunos e
a população contra o movimento grevista, as pesquisas de opinião
demonstram de forma clara e dura que a avaliação do governo despencou em
Salvador. Em abril a avaliação ruim ou péssima da gestão J. Wagner era
de 36,1% no começo da greve, e atingiu 69,1% no mês de julho, segundo
pesquisa realizada pelo Instituto Futura.
Derrota
Perdeu ao escancarar a inexistência de
uma política educacional para o Estado e, na ânsia de derrotar o
magistério e "ganhar" o apoio popular, contratou sem licitação uma
empresa privada para realizar "aulas show" e gravar as mesmas, por quase
3,5 milhões de reais. O proprietário da empresa, Sr. Jorge Portugal,
alega que como os seus "professores são de ponta e estão acostumados a
ganhar bem", ele precisa pagar R$ 250,00 a hora para cada um. Ao mesmo
tempo, determinou o retorno às escolas de todos os professores
temporários e concursados sem estabilidade, sob o risco de demissão
sumária, o que aconteceu com centenas de professores que não se
submeteram ao autoritarismo do governo.
A partir das ameaças e do corte de
salários, o governo convocou os alunos do ensino médio para retornarem
às aulas. Como não haviam professores suficientes, a secretaria
organizou escolas polos para atender alunos de bairros diferentes e
criou os "aulões pré-Enem" voltados para estudantes do 3º ano do ensino
médio. Para esses aulões a secretaria designou professores até mesmo do
ensino fundamental, que nunca tinham atuado no ensino médio e que
desconheciam os conteúdos previstos. A secretaria mobilizou seus chefes e
assessores para irem às escolas pressionar e ameaçar os professores que
manifestavam publicamente aos alunos a farsa que estava sendo montada
pelo governo. Muitos alunos abandonaram as salas e se negaram a
participar do que diziam ser enrolação.
Velhos Métodos
A condução dessa greve pelo governo da
Bahia repete os métodos utilizados em outros momentos, como a greve
das universidades estaduais ou da Polícia Militar, demonstra que o PT
não aprendeu com a lição recebida da greve do funcionalismo.
O mais trágico desse processo, é que o
maior beneficiário político da despolitização do governo baiano e da sua
incapacidade de diálogo com os trabalhadores é a direita, representada
pelo DEM no campo eleitoral, com o candidato ACM Neto.
E o irônico é constatar que os primeiros
cartazes de campanha do candidato do PT, Pellegrino, estampava a foto
sorridente do J. Wagner. Alguns dias depois, foram todos retirados e no
lugar surgiram novos cartazes sem nenhuma alusão ao apoio do governador,
simplesmente ignorado, exatamente no período em que foram divulgados os
índices de reprovação ao governo estadual.
Construção da Educação
Infelizmente parece que o governador J.
Wagner não conseguirá aprender com a greve que quando se fala que a
educação é determinante para o futuro do país, não se esta falando de
prédios, TVs pen drive (que o governo baiano comprou milhares), ou
propaganda que diz ser possível alfabetizar centenas de milhares de
analfabetos em alguns poucos meses. Quando se fala da construção de uma
educação pública de qualidade, estamos falando dos professores e dos
seus alunos, que durante duzentos dias ao ano estão nas salas de aula
das escolas espalhadas pelas cidades baianas tentando reescrever a
história de exclusão e autoritarismo que marca a relação entre o povo e
as elites, de tradição coronelista, que se acreditava fazia parte do
passado. Hoje, infelizmente, para grande parte dos professores e alunos a
diferenciação entre quem são os representantes da direita e da esquerda
no âmbito político institucional esta difícil de reconhecer.
O retorno às aulas coloca para os
professores a tarefa de fortalecer os vínculos e superar conflitos
surgidos com os colegas de trabalho, debater com os alunos e a
comunidade os motivos e as consequências da greve, refletir sobre o
significado real do que é uma escola pública de qualidade e as
responsabilidades do estado em relação aos investimentos necessários.
Acima de tudo, é preciso construir com a população laços políticos que
possam se constituir em movimentos organizados na luta por uma escola
pública de qualidade e por mais recursos para a educação.
Lutar, Lutar
Essa greve demonstrou de forma cabal que
os trabalhadores da educação e a população não podem deixar nas mãos de
nenhum governo a esperança de que resolvam os graves problemas sociais
existentes em nosso país. Ou se luta para conquistá-los, ou jamais serão
solucionados.
Ao mesmo tempo em que se luta por
salário digno, é preciso também que o magistério incorpore em suas
reivindicações, de forma explicita e como prioridade, questões que são
estratégicas para que os alunos e alunas das escolas públicas possam
aprender melhor e com qualidade, ao mesmo tempo em que os professores
possam efetivamente alcançar a valorização profissional que merecem.
Para tanto, é preciso que se exija do governo do estado que adote
medidas visando:
- valorizar e investir na qualificação
do magistério baiano, oferecendo-lhes oportunidades reais de
desenvolvimento e aperfeiçoamento profissional permanente, com plano de
carreiras e salários que valorizem a qualidade do ensino e seus
resultados na aprendizagem dos alunos;
- recursos didático-pedagógicos,
bibliotecas e laboratórios de qualidade e em condições de uso,
articulados com os currículos em desenvolvimento e com apoio efetivo por
parte da secretaria para que professores e alunos possam utilizar os
mesmos permanentemente;
- condições de trabalho e de
aprendizagem para professores e alunos, o que significa instalações das
escolas e salas de aula adequadas e recursos materiais disponíveis;
- gestão democrática da Secretaria e das escolas, em todos os níveis;
- políticas educacionais e investimentos
voltados prioritariamente para a qualidade do ensino e da aprendizagem,
tendo como foco o trabalho do professor em sala de aula com os seus
alunos.
"Os prejuízos causados pela greve ao ano
letivo é irrecuperável, e não será o Sr. Jorge Portugal e nem cursinhos
inventados de última hora que irá resolver"
Essas medidas, implementadas de forma
articulada e integrada, podem trazer resultados qualitativos a curto,
médio e longo prazo, oferecendo aos professores as condições necessárias
para ensinar com qualidade e, portanto, garantir a todos os alunos uma
aprendizagem também de qualidade. Por outro lado, representa valorizar o
magistério e, em decorrência, reduzir as possibilidades de greves e de
desgastes políticos, que só tendem a se agravar quando o governo decide
utilizar o poder de repressão como argumento e instrumento de
negociação.
Se é verdadeiro o sentimento
de pesar do Sr. J. Wagner em relação à situação dos alunos, como faz
questão de declarar para a imprensa, ainda é possível que consiga
recuperar a médio prazo esse estrago, ou pelo menos dar uma demonstração
que reconhece o erro cometido, convocando o sindicato para negociar de
forma séria e efetiva, apresentando uma proposta séria de pagamento do
índice de reajuste do piso nacional salarial para todo o magistério,
propondo medidas efetivas de investimento nas escolas públicas, e
estabelecendo metas e prazos para que professores, alunos e comunidades
possam construir uma escola pública de qualidade para todos.
É assim que age um governador comprometido com a escola pública.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário