Essa afirmação do Ministro da educação é um ultraje aos educadores.
Sua função num dos mais importantes ministérios do país deveria ser a de garantir educação de qualidade, com valorização dos trabalhadores em educação; condições dignas de trabalho e instalações físicas adequadas para professores e alunos e não o de insultar os educadores que, mesmo com todas as dificuldades que seu governo coloca, estão cotidianamente nas escolas dando sua vida para que a educação tenha um mínimo de qualidade.
Na entrevista (abaixo) Mercadante, além de insultar os professores, coloca uma concepção de educação privatista, meritocrática e reducionista.
A direção estadual do SindUte e a CNTE devem dar uma dura resposta a essa entrevista do ministro.
ANA ESTELA DE SOUSA PINTO
Mais
profissionalização é a resposta do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, à
análise de economistas de que falta qualidade ao ensino brasileiro e, sem isso,
a economia do país não crescerá de forma sustentada.
A formação
dos professores tem que se voltar para a prática, diz: "Se formássemos
nossos médicos como formamos nossos professores, os pacientes morreriam".
O ministro
critica o desempenho das universidades que preparam os docentes
—"principalmente no setor privado"— e diz que o MEC vai exigir
contrapartidas para repassar as verbas dos programas federais.
Mercadante
afirma que há simpatia à ideia de incluir o ensino profissionalizante no
currículo do ensino médio e propõe vincular o Pronatec, de formação técnica, ao
EJA, antigo supletivo.
Defende a
política de dar prêmios em dinheiro a escolas e professores que atingirem metas
e acha que entregar a administração escolar a Organizações Sociais (entidades
privadas sem fins lucrativos) pode dar bom resultado.
Não apoia,
no entanto, a política de "charter schools", em que escolas privadas
recebem do Estado para prestar o serviço da educação gratuita.
Folha -
Vários economistas têm dito que o Brasil não vai crescer de forma sustentada
sem aumento de produtividade, e a qualidade da educação está na raiz desse
aumento. Por que o ensino não melhora?
O Brasil tem
que acelerar sua transição para uma economia do conhecimento. Educação, ciência
e tecnologia e inovação são a base dessa estratégia.
A educação,
principalmente, se estiver melhor articulada com o setor produtivo.
O
empresariado brasileiro tem uma certa dificuldade em ter cultura inovadora, o
que tem muito a ver com sermos um capitalismo tardio, em que o empresário acha
que inovar é comprar máquina pronta e acabada e não fazer melhor, mais barato,
mais eficiente que o que fazia antes. Este caminho é o que nos vai permitir
avançar. Conseguimos isso na agricultura.
É uma área
em que o Brasil tem vantagens competitivas.
Mas não é só
porque temos terra e água. Temos a Embrapa, temos tecnologia, uma indústria de
máquinas e equipamentos.
E capital
também.
Mas é isso
que gera o capital. Inovação, competitividade e eficiência vão atrair o capital
e modernizar o setor.
O caminho
tem que ser como o do brigadeiro Montenegro [Casimiro Montenegro Filho], que
criou o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], para formar uma geração de
engenheiros, para que pudéssemos ter uma indústria aeronáutica.
O foco era a
indústria, mas o alicerce era educação.
Ele quis
chegar, e chegou, à indústria aeronáutica e astronáutica, mas pela educação.
Esse deveria
ser o caminho do Brasil. Precisamos mais dessa parceria com universidades.
Por que o
Brasil não está conseguindo melhorar a qualidade do ensino?
Está
avançando. Educação é muito complexa: uma rede de 50 milhões de alunos, 2
milhões de professores, com o histórico que herdamos, é um processo.
Avançamos
muito no acesso às creches, na educação infantil, no ensino fundamental. A
jornada escolar está aumentando. Passamos de 4,7 anos para 8 anos em menos de
15 anos. Na universidade, nem falar. Eram 2,5 milhões nos anos 2000, agora são
7,5 milhões e meio.
Mas o
problema não é o acesso.
Acesso e
permanência.
O sr. não
citou o ensino médio, em que o acesso, a permanência e a defasagem não são
boas.
Em 1991,
havia 2,4 milhões de estudantes no ensino médio. Hoje são 7 milhões.
Mas só 70%
estão no ensino médio, grande parte fora da idade correta.
Mas houve
uma inclusão de quase 5 milhões de jovens, num período muito curto. O problema
é o que herdamos.
Mais do que
dobramos a rede, e foi a rede pública que suportou esse crescimento, pois a
privada praticamente não se alterou.
Houve grande
avanço em termos de acesso e permanência em todos os níveis, inclusive no
ensino médio, que acho que merece uma reflexão maior, porque é mais complexo.
O Ideb
[Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que leva em conta aprovação
escolar (chamada de fluxo) e médias de desempenho nas avaliações], ao incluir o
fluxo, sinaliza a importância de não deixar nenhuma criança para trás.
E houve
avanço também na aprendizagem, que é a coisa mais importante, o foco da
educação. A meta mais importante é a da qualidade, em todos os níveis.
O fato de
que o Brasil foi o que mais evoluiu no mundo, passou países da América Latina
dos quais sempre estivemos atrás, tendo feito uma inclusão dessa magnitude,
mostra que houve um avanço importante, mesmo em relação à qualidade.
Quando
pegamos nossa amostra, de 950 escolas e jovens de 15 anos, a média é
problemática. Onde está a dificuldade real? Não é na média. São os pobres. Onde
não avança, onde o Ideb não avançou no ritmo que se esperava é no último
quartil da renda, nos 25% mais pobres, que vêm de uma família não letrada, que
já na infância tem um vocabulário em média de um terço do das famílias
letradas.
É essa
criança, a criança da periferia das grandes cidades e das pequenas cidades do
interior, a criança que não está indo para a pré-escola. Elas não desenvolvem
as habilidades cognitivas e não cognitivas na idade adequada.
Já
identificamos a dificuldade da leitura, do aprendizado da escrita e dos
elementos básicos da matemática —22% das crianças não leem na idade adequada,
34% não escrevem e metade não aprende a matemática até os oito anos.
E no ensino
médio, com 18, 19 disciplinas, não consegue mais acompanhar.
O foco tem
que ser na leitura, na redação e na matemática.
Damos bolsa
para 300 mil professores e professoras, 600 mil formadores das redes de
universidades federais. Em algumas, avançou muito. Noutras não avançou nada.
Em muitos
cursos de pedagogia e licenciatura estamos tendo uma formação teórica
interessante, uma reflexão sobre a filosofia da educação, a teoria da educação,
mas muito pouco de prática de aprendizagem na sala de aula.
O Estado de
São Paulo está mudando isso agora. Existe uma disposição do governo federal
para mudar também?
Estamos
trabalhando fortemente para isso.
Se nós
formássemos os nossos médicos como formamos nossos professores, íamos ter uma
crise na saúde dramática. Porque, se um médico chegar à frente de um paciente e
começar a refletir sobre a teoria da saúde, sobre ética e saúde, filosofia da
saúde, o paciente morre. Ele tem que fazer o diagnóstico e dar a terapia.
Se o
engenheiro não botar o prédio na planta e fizer o cálculo, se começar a refletir
sobre as várias opções da teoria da construção civil, o prédio vai cair.
Não que a
gente tenha que abdicar de uma reflexão teórica abrangente na educação, mas tem
que ter a prática, como aprender, como transmitir conhecimento, como liderar
uma sala de aula, como observar os alunos, acompanhá-los.
Qual o
obstáculo para mudar o currículo?
A grande
mudança de que precisamos é fazer a base nacional comum curricular. Ela vai
exigir, como em outros países, uma rediscussão dos cursos de pedagogia e
licenciatura. Vai definir o que é o direito de aprendizado de qualquer aluno em
qualquer lugar do território nacional. Isso reorienta os cursos de pedagogia.
Temos que repactuar. O grosso dessa formação está se dando na rede privada.
Temos alguns
instrumentos para ajudar na construção. Um é o Pibid [Programa Institucional de
Bolsas de Iniciação à Docência, que dá bolsas para estágios na formação de
professores], com 90 mil bolsistas, e o Pafor [Plano Nacional de Formação de
Professores da Educação Básica], que já é para a rede.
Damos 90 mil
bolsas e só 18% viram professores da rede. O projeto é da faculdade e não da
rede. Temos que ter exigências da rede.
Vai
direcionar para matemática e português?
E para
aprendizagem. O MEC vai monitorar esses estágios e estabelecer condições. O
foco é a aprendizagem do aluno. Com isso, vão ser formados dentro de uma nova
concepção, em vez de só fazer um trabalho para a faculdade sem qualquer
compromisso para a escola.
Hoje, quem escolhe a escola é o aluno ou a faculdade, e não o MEC nem a rede.
Como fazer
na prática?
Como fizemos com o Fies [Fundo de
Financiamento Estudantil, que financia estudantes do ensino superior]. A
inscrição será no portal do MEC, que vai estabelecer quais as escolas
prioritárias, vai rediscutir o programa com as faculdades, focado nas
prioridades educacionais.
O que o Fies
está fazendo é induzir o sistema à qualidade: "Ora, melhora a qualidade e
você tem mais bolsas". Evidente que tirou o sistema da zona de conforto.
Então houve
falta de objetivos ao expandir tanto o sistema sem esses critérios?
Não, acho
que, na política pública, você vai aprimorando e construindo em cima de uma
experiência concreta. Vai identificando os problemas em cima do que vai
construindo.
Por que foi
preciso fazer uma revisão do seguro-desemprego, que está aí há anos? Da aposentadoria?
Da pensão por morte? Porque são programas sociais que precisavam de ajustes.
Na educação
é a mesma coisa. Por exemplo, no Plano Nacional para a Alfabetização na Idade
Certa, percebemos que não adianta fazer uma relação direta com as universidades,
em algumas funcionou muito bem, mas em outras não está havendo aumento do
aprendizado na sala de aula.
Precisamos
melhorar no Nordeste, e é possível. Há boas experiências, no Ceará e na Bahia,
vamos fazer um programa especial para o Nordeste.
No Ceará
houve um investimento muito forte na gestão, na profissionalização dos
diretores, na autonomia para contratar e demitir professores. Existe alguma
disposição do MEC de incentivar também esse movimento?
Concordo
inteiramente. O mais importante na aprendizagem é a relação professor-aluno, e
a segunda coisa é o papel do diretor.
O diretor é
imprescindível, precisa ter noções de administração, orçamento, gestão,
pedagogia, habilidade e formação para administrar conflitos não violentos,
criar uma cultura de tolerância. É quem tem que preencher quando os professores
faltam, e estão faltando demais em muitas redes.
O MEC vai
ter um programa de formação e criar uma certificação de diretores. Os diretores
serão escolhidos já com essa certificação: quem quiser ser diretor terá que se
qualificar previamente. Para ser certificado, precisará passar por uma
avaliação e elaborar um projeto pedagógico para sua escola. Isso pode dar um
salto importante.
O próprio
Pisa, em seu relatório, aponta o Brasil como um país que foi capaz de aumentar
a inclusão de alunos e a aprendizagem. Muitos desses alunos vieram de regiões
rurais, mais pobres. Nós evoluímos trazendo a pobreza para a escola, a
população de famílias de pouca escolaridade. E apesar disso a nota de
matemática melhorou em todos os níveis.
Não vejo
problema em comparar o Brasil com países da OCDE. Mas temos uma renda per
capita de US$ 15.838, dados de 2014, e a média da OCDE é US$ 38.766. Eles
investem muito mais por aluno. Nosso investimento em porcentagem do PIB é maior
que o deles. A ONU recomenda de 3% a 4% do PIB, estamos investindo 6%, mas
nosso PIB per capita é muito menor, nosso orçamento por estudante é muito
menor.
O Brasil fez
uma política de inclusão fantástica, sem precedentes, e, apesar disso, está
melhorando a qualidade.
Onde está
melhorando menos é nessa população que entrou na escola tardiamente e traz essa
herança. Esse jovem de 15 anos é dessa escola do passado. Precisa andar mais
rápido? Precisa. Por isso estamos repensando, buscando integrar os programas
com foco no aprendizado.
E mudando a política de formação e valorização dos profissionais. O Piauí, por
exemplo, está dando um 14º salário se houver mais de 25 alunos por sala, o
resultado do Ideb superar a meta e assiduidade dos professores ficar dentro do
estabelecido.
No Ceará, o
município tem aumento do ICMS se tem bom resultado. Precisamos ter mais
criatividade, mais inovação, mais motivação dos profissionais na sala de aula.
A motivação
passa então por um reconhecimento em dinheiro?
No caso
dessas redes, o que estou vendo é que esse mecanismo de valorização, de
bonificação pelos resultados, está tendo sucesso. Vamos olhar essas
experiências sem preconceito.
Em São Paulo
houve essa experiência e a conclusão foi de que não dava o resultado esperado.
Estou
jogando luz sobre experiências que estão dando certo já há vários anos. O que
me preocupa são algumas propostas como o programa do PMDB, que ainda vai ser
discutido -espero que de forma aprofundada-, de retirar as vinculações de
tributação.
Se retirar a
obrigação do prefeito de investir em educação, do governo do Estado, da União,
se retirar a obrigação de que o dinheiro do petróleo e do fundo social venham
para a educação, como vamos garantir os recursos que estão faltando?
Porque, apesar
da vinculação, nosso investimento per capita é baixo quando comparado com os
países mais desenvolvidos. Se retirar a vinculação, vai tirar dinheiro da
educação.
Se é verdade
que educação não se resolve com dinheiro, não se resolve sem dinheiro nem com menos
recursos.
Temos um
problema de financiamento da educação, principalmente em relação às metas do
PNE [Plano Nacional da Educação], que são muito ambiciosas e propõem que a
gente chegue a 10% do PIB. Só não discute como. E o PNE não pode virar o
tratado de Kyoto, com o que todo mundo concorda, mas depois ninguém consegue
cumprir. Temos que discutir o financiamento da educação, formas de
financiamento novas, que viabilizem, porque é um investimento estratégico.
Mas pusemos
5 milhões de jovens no ensino médio, 5 milhões de estudantes universitários a
mais. Estamos comparando com países cuja população total é menor do que o que
colocamos a mais.
Não é um
problema então de má administração dos recursos?
Não. Houve
um esforço brutal de inclusão social. Resolvemos alguns problemas, como em
relação ao analfabetismo. Em 2004 era 11,5% e estamos com 8,3%. Até os 20 anos,
0,9%, erradicamos o analfabetismo. Até 30 anos, são 2,1%.
Mas tivemos
que trazer milhões de jovens, 5 milhões a mais no ensino médio, 5 milhões na
universidade.
Fui à
assembleia da Unesco e todos os ministros da educação dos países ricos queriam
discutir Pronatec. E a pergunta é a seguinte: como um emergente tirou primeiro
lugar no World Skills? O que vocês fizeram?
Há um
esforço forte de formação da rede Sest/Senai, não?
Mas, das 35
medalhas de ouro que tiramos, 28 tinham bolsa do Pronatec. Foi a parceria que
fizemos. A rede Sest/Senai faz um trabalho excepcional, e nós trabalhamos em
íntima parceria. Massificou o acesso.
Por que o
Brasil é bom em futebol? Porque em cada esquina tinha um campinho de futebol.
Por que nós somos bons de vôlei de praia? Porque temos muita praia, o pessoal
começou a jogar vôlei. Onde o brasileiro tem chance e oportunidade, temos bons
desempenhos. Na hora em que se massificou o ensino técnico profissional
surgiram os talentos e nós ganhamos a olimpíada.
Mas o World
Skills não reflete todo o ensino. Os participantes fazem um treinamento
intensivo, de meses, para participar.
Ah, só nós,
né? A Coreia não faz? Você acha? Todos esses países fazem treinamento especial.
Nós
investimos R$ 1,6 bi nos centros de formação técnica do Senai para criarmos uma
cultura de inovação. Precisamos dessa parceria. Temos um sistema excelente de
formação técnica, mas sem escala. Precisa ter escala. Neste ano, com restrições
orçamentárias, o Sistema S vai colocar mais recursos, R$ 5 bilhões, cada um na
sua área. Vão assumir com mais protagonismo o Pronatec, a Embrapii e outros
programas de parceria.
Em troca de
não perder uma parcela do imposto que era repassado pelas indústrias.
Exatamente.
Muito melhor construir uma parceira, um acordo.
Por que o
ensino profissionalizante não está incluindo na base comum curricular?
Grande
questão. Sobre o ensino médio, um dos grandes problemas é que, apesar de
entrarem 5 milhões de alunos, temos evasão e uma escola que tem que ser mais
motivadora e agradável. 20% dos jovens de 18 a 24 anos estão na universidade.
Onde estão os outros? O que oferecemos a eles? Só um ensino regular? Não é
suficiente.
Na base
nacional comum do ensino médico, temos que trazer uma base técnica
profissional. Porque esse jovem está olhando o mercado, e muitos estão saindo
para buscar uma oportunidade.
É preciso
criar um diálogo com o ensino técnico profissional já no ensino médio, sem
prejudicar nem desmotivá-los a ir para a universidade, se quiserem, ou para uma
escola técnica de dois anos pós-médio.
Mas ter um
ensino técnico concomitante com o regular.
As escolas
com melhor desempenho no Enem e no Ideb são as que integram as duas coisas.
E por que o
ensino técnico não foi incluído na base comum curricular?
Outro ponto
é o do EJA [Educação de Jovens e Adultos, o antigo supletivo]. O Fundeb investe
R% 5,7 bilhões por ano. Dos matriculados, só 9,4% concluem e são certificados.
Os diretores de rede têm interesse na matrícula porque ela assegura
participação no Fundeb. Mas é evidente que ele tem que ser repensado.
Vai se criar
algum tipo de condição?
Só vejo um
caminho: a relação com o Pronatec. Trazer o ensino técnico profissional para
essa população adulta que tem uma grande defasagem idade-série.
Tenho um
secretário-executivo cujo pai é pedreiro. Tem mais de 60 anos. Ele perguntou
"Pai, por que o senhor não conclui o ensino médio?" O pai respondeu
"Eu trabalho oito horas por dia, carrego saco de cimento, tijolo,
sustentei vocês todos com meu trabalho de pedreiro. Vou estudar geografia,
história, filosofia, sociologia, à noite, cansado o que isso vai mudar na minha
vida a essa altura do campeonato". É uma pergunta básica. Aí meu
secretário perguntou "Mas o senhor consegue ler a planta do
engenheiro?" "Não, quem faz isso é o mestre de obras". "E
se tivesse uma formação para ler a planta e pudesse ser mestre de obras?"
"Onde é esse curso, que eu quero entrar."
É evidente
que uma formação do EJA que parte da formação que o profissional já tem, se
isso é reconhecido, certificado, e dou uma formação para dar um passo na
profissão, esse profissional vai estudar com paixão. Foi o que o Pronatec
mostrou.
Por que 9
milhões foram para o Pronatec e no EJA só 4,9% concluem? Porque querem uma
formação voltada para o mercado de trabalho.
Mas a grande
maioria do Pronatec, 70% desses 9 milhões, fez cursos de curta duração.
Porque são
duas coisas distintas, uma parte é formação técnica e outra é tecnológica. Para
a mãe do Bolsa Família, a porta para saída do programa é o Pronatec, para
tentar entrar no mercado de trabalho, montar uma microempresa.
A mesma
coisa em relação ao trabalhador desempregado. Se ele faz um curso de
requalificação profissional, tem mais chance de se reinserir no mercado de
trabalho num melhor padrão.
Temos que
aproveitar a crise, é um momento tão importante que a gente não pode
desperdiçar. A crise no mercado de trabalho vai exigir mais formação. Temos que
aproveitar o desemprego e oferecer: "Venha estudar, que o Brasil vai
ganhar mais eficiência e mais produtividade".
Por outro
lado, um estudo do Ministério da Fazenda com 160 mil desempregados, que acaba
de ser publicado, concluiu que os cursos de curta duração do Pronatec não
aumentam a empregabilidade nem a renda.
Não concordo
com aquele estudo, que é do terceiro escalão do Ministério da Fazenda.
O MEC tem
algum estudo semelhante?
Tem, o Senai
tem e o Banco Mundial também teve mostrando que não é este o caminho. Em 2014,
com uma taxa de desemprego de 4,7%, falar que não teve empregabilidade alta com
amostra absolutamente pequena em relação ao programa Não acho um dado
relevante.
Como o MEC
acompanha a empregabilidade dos alunos do Pronatec.
A
empregabilidade quem tem que acompanhar é o Ministério do Trabalho.
Mas o
objetivo do programa é a empregabilidade, certo?
Sempre. Ou
fazer com que quem está empregado cresça profissionalmente.
Mas, quando
se implanta um programa, é preciso fazer ajustes. Fizemos uma pesquisa para
olhar em cada microrregião qual o perfil, qual o emprego portador de futuro
daquela região, para oferecer uma formação técnico-profissional ligada à
perspectiva do mercado de trabalho.
É preciso
uma análise da estrutura produtiva e da perspectiva futura do mercado de
trabalho. Não é simples fazer isso.
O sistema S
tem que lutar para que o aluno conclua o curso e não simplesmente se acomodar
porque recebe um repasse de recurso.
Tudo isso
tem que ser aprimorado. Agora, o resultado é fantástico. Quem não quer ver é só
olhar para o World Skills.
Um dos
problemas...
...Eu não
gosto dessa discussão. O ajuste fiscal tem que ser feito, nós temos uma
situação fiscal difícil. Mas não dá para fazer uma análise simplificatória de
políticas sociais para justificar ajuste fiscal, isso não é um ajuste de boa
qualidade.
O que o senhor
está chamando de análise simplificatória é esse estudo da Fazenda?
Não... estou
falando só preventivamente.
No caso do
Fies, acha que houve também análise simplificatória?
Não, acho
que houve uma mudança indispensável. Participei desse processo que te descrevi.
Uma das
causas desse descasamento entre quantidade e qualidade não é a falta de
parâmetros de avaliação da política pública em educação?
Mas há uma
avaliação.
Não estou me
referindo ao ensino básico, mas a esses programas voltados para a
produtividade.
O Brasil é
uma referência. Os países desenvolvidos todos estão discutindo o Pronatec e o
World Skills. Os países pobres, a África portuguesa, onde ajudamos a implantar
a rede de ensino, o olhar deles é para o nosso sistema de avaliação. Porque a
maioria dos países não tem um sistema de avaliação da universidade privada.
Nós temos o
CPC [indicador de qualidade de cursos superiores] e vamos introduzir o fluxo
agora. Uma universidade que forma mais alunos em porcentagem terá um bônus. Os
cursos que tiram notas ruins perdem não só o Prouni e o Fies, mas perdem o
vestibular.
Há que ter
rigor na avaliação. O Ideb, a ANA, são sistemas de avaliação.
Mas estou
perguntando sobre os programas específicos voltados a aumento de produtividade
e inovação. O quanto se acompanham as pessoas que receberam o investimento? O
investimento em ensino superior, que é alto no Brasil, beneficia o aluno,
individualmente. Como o MEC acompanha o retorno desse investimento em termos de
desenvolvimento do país? Aumentou o número de patentes de quem ganhou o Ciência
sem Fronteiras? Eles voltaram para o país? Como avaliar se esse dinheiro está
sendo bem empregado?
Temos que
aprimorar os programas. O Ciência sem Fronteiras não é diferente, e estamos
discutindo.
Mas
precisamos internacionalizar. Um estudante desses que volta motivado, aprende
línguas, tem um universo aberto, isso terá um impacto nessas instituições. Nos
rankings internacionais, um dos problemas da universidade brasileira é a falta
de internacionalização. Em muitos países, fizemos acordo com a indústria para
que eles façam estágio nas empresas. Fizemos um portal em que as empresas podem
encontrar os alunos, contratar para fazer P&D (pesquisa e desenvolvimento).
E existe um
acompanhamento do que aconteceu com esses alunos na volta, em comparação com os
que não foram?
Existe e
isso é uma parceria que estamos fazendo com todas as reitorias acadêmicas, que
monitoram o programa, para avaliar.
Existe já um
relatório das avaliações?
Não tenho de
cabeça, mas em geral a avaliação é muito positiva.
Em termos de
quê?
Da atitude
dos estudantes. Eles voltam muito mais motivados, muito mais focados no
trabalho, com um projeto de vida, um projeto técnico-científico, mais dedicação
ao estudo. Você abre um horizonte fantástico, eles voltam com muito mais garra
para o desempenho. [Após a entrevista, o ministro enviou uma pesquisa de
avaliação subjetiva do programa feita pelo Senado com bolsistas e ex-bolsistas.
Enviou também pesquisas quantitativas que mostram impacto positivo do Pronatec
para beneficiários do Bolsa Família e o estudo "Inclusão Produtiva Urbana:
O que fez o PRONATEC / Bolsa Formação entre 2011 e 2014", também do
Ministério do Desenvolvimento Social, mostrando aumento da empregabilidade de
egressos do Pronatec ].
Faz sentido
para o Brasil gastar tanto mais por aluno do ensino superior que com os do
ensino básico?
É evidente
que uma universidade é mais cara. Não adianta pensar a educação se não pensar
de forma integrada. Sem boas universidades para inovar, fazer patentes, formar
bons professores, técnicos, profissionais, o país não tem competitividade.
E na sua
avaliação as universidades estão fazendo isso hoje?
Tivemos uma
expansão muito grande, estamos fazendo uma reavaliação da metodologia de
avaliação dos cursos de pós-graduação. Temos mais ou menos 6.500 cursos de
pós-graduação, que produzem por ano hoje 500 mil títulos, livros e publicações
em revistas especializadas e indexadas. Não se pode avaliar só pela métrica do
volume e pelas citações. Estamos tentando introduzir uma dimensão maior da
qualidade. Até março pretendemos concluir o estudo.
Citações não
são uma medida de qualidade?
São um
indicador, mas não pode ser o único.
Quais os
outros?
É isso que
estamos analisando, as experiências internacionais, para tentar introduzir.
É a favor de
trazer OSs [organizações sociais, entidades privadas sem fins lucrativos que
prestam serviços públicos] para gerenciar escolas públicas?
É uma
experiência que tem que ser olhada rede por rede. É uma decisão da rede, tem
que avaliar e verificar o resultado.
Em tese, o
senhor é a favor?
Tenho muita
simpatia pelas OSs em ciência e tecnologia e inovação. O Impa [Instituto
Nacional de Matemática Pura e Aplicada] é o quinto centro em matemática no
mundo e é uma OS. Ele tem uma agilidade muito importante. Não conseguiríamos
fazer o Enem se não houvesse parceria com OSs, que têm muita agilidade.
Tem que ter
controle, transparência, contrato de gestão, tem que estabelecer contrapartida,
mecanismo eficiente de gestão. Não é uma solução para tudo. Mas é um caminho.
E as
"charter schools" [sistema em que o governo contrata escolas
particulares]?
Vou
aguardar, temos que tomar muito cuidado, pois essas são definições das redes. É
preciso acompanhar, avaliar e à medida que forem exitosas a rede vai estar
aberta a discutir. Vi algumas experiências de PPP para construção de
equipamentos muito interessantes. A parte pedagógica é do Estado, mas a
construção e a gestão são privadas.
As
"charter schools" dão um passo além: a parte pedagógica é também da
empresa contratada.
Nisso acho
que perdemos a visão do direito do cidadão de qualquer escola pública ser
responsabilidade do Estado. Os bons sistemas de educação do mundo tem
professores estáveis e da rede pública.
Então o
senhor é contra?
Não vejo
necessidade. Não há consenso na literatura em relação aos resultados. É uma
experiência piloto, nunca foi majoritária em nenhum lugar do mundo.
O sistema
privado no Brasil pode disputar os alunos. No ensino médio, eles não têm
aumentado. As boas escolas da rede pública estão sendo disputadas, não vejo
necessidade desse caminho no Brasil.
É
responsabilidade do Estado ter uma base comum, que todo aluno tenha um
aprendizado que é o mesmo no país, é um direito essencial que tem que estar
assegurado.
Nas
universidades, investimos um pouco mais por aluno, é verdade, mas as públicas
são as melhores do Brasil. Essa ideia de que o Estado não pode dar boa educação
não se sustenta nem empiricamente. Com criatividade e inovação, faz-se uma boa
rede pública.
Na parte
administrativa, agiliza, barateia. Mas o projeto pedagógico é um projeto de
país, um projeto público. E um direito básico de todo cidadão.
E o ensino
profissionalizante vai entrar na base comum?
Vejo grande
simpatia por parte de todo secretário. A rede de ensino médio é basicamente
estadual. Houve encontro em Manaus e vejo grande simpatia por parte dos
secretários estaduais que uma parte da carga horária e da estrutura curricular
seja técnica profissional.
O senhor vê
com preocupação o aumento da influência do ex-presidente Lula no atual governo?
[pausa] O
que você ia perguntar sobre educação, mesmo?
Fonte: Jornal Folha de São Paulo.