domingo, 17 de agosto de 2014

Ataque à educação pública é mundial, constata reunião internacional em defesa do setor

A péssima situação da educação em Minas não é exclusividade só dos mineiros, é consequência da implantação de um projeto capitalista para a educação em todo o  mundo.  Porém os mais afetados são os países menos desenvolvidos (leiam com atenção a declaração da companheira da Colômbia) Por isso  a necessidade da unidade internacional dos trabalhadores em educação.   



Diferenças de ritmos e por vezes de forma não escondem a evidência de que as políticas governamentais aplicadas em variados países convergem para iguais objetivos: converter a educação de um direito social em uma mercadoria a ser negociada, focada cada vez mais na produção de competências laborais do que de conhecimento. Estas foram algumas das reflexões feitas por educadores de seis países que participaram, na segunda-feira (11), da primeira Reunião Internacional em Defesa da Educação Pública e de Qualidade, na qual um manifesto que aponta para atuações conjuntas e uma carta de solidariedade ao povo palestino foram aprovadas. A reunião foi promovida pela CSP-Conlutas e a Rede Internacional Sindical de Solidadariedade e Lutas.

Ao longo de quase seis horas, trabalhadores da educação no Brasil, México, Equador, Colômbia, França e da Palestina debateram entre si aspectos do sistema educacional de cada país e as lutas desenvolvidas em cada um deles para defender a educação pública. As semelhanças dos problemas e das políticas aplicadas chamavam a atenção das quase 25 pessoas que participaram da reunião, realizada no Rio de Janeiro no dia seguinte ao encerramento do Encontro Nacional da Educação (ENE), que reuniu mais de dois mil ativistas de todo o Brasil, dentre eles alguns convidados internacionais.

“O ataque que sofremos não é restrito ao Brasil”, disse Mauro Puerro, professor do ensino básico em São Paulo, ao abrir os debates. Ele coordenou a reunião representando a CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), ao lado de Sônia Lúcio, pelo Andes-SN (Sindicato Nacional dos Docentes). Em seguida, iniciou-se uma rodada de apresentações, nas quais cada um relatou as experiências de luta e a situação política que enfrentam os trabalhadores da educação. Também se buscou pavimentar, e isto está bem desenhado no manifesto construído conjuntamente, caminhos que levem à necessária internacionalização da luta em defesa da educação pública e contra a mercantilização do ensino – considerando-se as características ainda incipientes de um movimento que se tenta formatar para além das fronteiras nacionais.  “Busquemos uma aproximação entre nós, [precisamos] ficar mais próximos”, defendeu a professora mexicana Mariluz Arriaga, a Universidade Nacional do México, quase ao final da reunião. “Os objetivos que temos todos nós aqui são os mesmos, precisamos de propostas concretas para que possamos caminhar”, disse Nara Cladero, uma das representantes do sindicato francês, o SUD Education, que integra a central Unión Syndicale Solidaires.

Modelo para atender ao mercado

No transcorrer das apresentações, iniciadas pelos brasileiros, ganhou contornos mais nítidos a confirmação de que está em curso no plano mundial, sob ritmos e características de cada local, a aplicação de um modelo neoliberal no qual o ensino enquanto produção de conhecimento crítico sucumbe diante de metas voltadas para a formação de mão de obra barata, com um pouco mais de formação, para atender ao mercado capitalista. “O governo [brasileiro] quando pensa a universalização é sem qualidade, para atender ao mercado. Buscar um profissional com só com um pouco mais de formação”, observou Renata Vereza, da sessão do Andes-SN na Universidade Federal Fluminense (UFF).

“A palavra de ordem é reduzir os programas. Cada vez mais produzir competência e não conhecimento”, corroborou Gilberto, professor do ensino básico em São Paulo e do Setorial de Educação Básica da CSP-Conlutas. “A educação vive um apartheid”, disse, referindo-se à crescente diferenciação entre a escola para a classe trabalhadora em geral, voltada para formação de braços e pernas que vão atender ao mercado, e a oferecida a setores da elite, que vão compor o “cérebro” da sociedade. Ele frisou que isso ocorre após 12 anos de governo petista, que assumiu o poder propondo a mudar o país. “Hoje continuamos com um país muito desigual, onde o número de analfabetos vem aumentando e [o tempo médio de estudo] é de 7,2 anos, quase o mesmo do Zimbaube, o pior país do mundo para se viver de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano da ONU”, disse.

‘Escolas em vários níveis’

A aplicação deste projeto educacional se revelou comum aos demais países da América Latina e mesmo à França, país com nível de desenvolvimento econômico e social evidentemente mais alto. “Tínhamos um sistema educacional bom, mas ele está sendo desmantelado, principalmente nos subúrbios e zonas rurais”, disse a francesa Cybele David, também da Solidaires. “O que querem fazer é uma escola de vários níveis: uma [formadora] de mão de obra barata sem senso crítico, e outra escola elitista para pequena [parte] da sociedade”, constatou. Este processo, disse, vem levando a uma revolta da juventude, em especial dos jovens filhos de imigrantes.

O avanço do modelo que oferece duas escolas – uma para a massa trabalhadora, outra para uma elite econômica – vem acompanhado de um forte processo de privatização e mercantilização do ensino. “A política [do governo] brasileiro faz com que a educação deixe de ser um fim para ser um negócio”, afirmou Elizabeth Barbosa, do Andes-SN. “O Plano Nacional de Educação aprovado pelo governo marca a privatização da educação”, disse. Ela mencionou ainda que os editais de agências de fomento cada vez mais “precarizam e privatizam” o trabalho nas universidades brasileiras, processo que atinge tanto as instituições federais quanto as estaduais. “Nas universidades públicas cada vez mais a gente vive a precarização do trabalho, do estudo e o produtivismo”, disse.”[Já] as universidades privadas estão quase todas sendo geridas pelos fundos de investimento”, assinalou, mencionando a recente conformação do Kroton-Anhanguera, maior grupo empresarial privado de educação no mundo, que abarca algo em torno de um milhão e meio de estudantes.

Presidente da seção do Andes-SN no Cefet/RJ (Centro Federal de Educação), Alberto Jorge acrescentou que o mercado avança também na formação técnico-profissional. “Esta tarefa vem sendo comprada pelas entidades privadas, que estão enxergando isso como um nicho [de mercado]“, disse, citando a abertura de 30 mil vagas nesta área pela Estácio.

‘Privatizaram tudo’

A colombiana Rosa Cecília Lemus, da Associação Distrital de Educadores, expôs provavelmente o processo de privatização mais feroz. “Se privatizou absolutamente tudo”, disse, relatando que, da década de 1990 para cá, a Colômbia já viveu seis reformas educacionais. “Em cada reforma há um aprofundamento maior do modelo neoliberal”, afirmou. Nas universidades públicas, disse, foi instituída a cobrança de mensalidades, com a gratuidade se limitando a quem comprova ter uma renda inferior a determinado limite. Segundo ela, outra nova “invenção” é a privatização de colégios por meio de concessões. Nesta modalidade, o estado assegura a planta física da escola e transfere a gestão para uma empresa privada, que recebe um repasse público por cada aluno matriculado.

A estudante Janaína Oliveira, da Anel (Associação de Estudantes – Livre), que também participou da reunião, ressaltou que a “privatização vem acompanhada de um [falso] discurso de democratização” do acesso ao ensino, que também precisa ser combatido.  Disse ainda que, nas universidades, o governo brasileiro não assegura a permanência dos estudantes com menos recursos financeiros. Com isso, defendeu, “a luta em defesa da educação acaba virando uma luta por vários direitos”, como transporte e habitação.

Trabalho mais precarizado

Ocupou ainda boa parte dos relatos a descrição dos processos de precarização do trabalho e de retirada de direitos que atinge cada país. “Tínhamos direitos sociais que eram uma herança da revolução de 1920. Não foram presentes. Foi uma conquista que custou sangue, morte e muitas lutas”, disse Mariluz, ao discorrer sobre a investida liberal que vem derrubando direitos no Mexico após 30 anos de resistência. “A educação está vivendo um tsunami que está arrasando tudo. Tínhamos educação pública, laica e gratuita”, disse. Ela mencionou o recente fim do monopólio estatal do petróleo e a reforma trabalhista aprovada entre 2012 e 2013, que eliminou direitos. “Tivemos uma mudança na Constituição que retira dos professores o direito à estabilidade e permite privatizar a educação”, disse. A maioria dos professores da educação básica hoje é paga por hora trabalhada – sendo que os novos possuem menos direitos. Também se instituiu um sistema de controle que pode levá-los à demissão após três avaliações negativas, no caso dos empregados temporários, ou a serviços administrativos, no caso de servidores efetivos.

Todo esse processo, explicou Mariluz, foi aplicado com uso da força pelo governo mexicano, que enfrentou uma enorme resistência no ensino básico que, segundo ela, arrastou às ruas centenas de milhares de trabalhadores no ano passado. “Professores que nunca antes haviam se envolvido participaram”, disse. Ela ressaltou ainda que a aplicação deste modelo veio acompanhada de uma tentativa de criminalização das lutas sindicais e sociais, algo comum aos demais países. “Sob o pretexto de combater o narcotráfico, militarizaram o país”, disse.

Criminalização

O equatoriano Edgar Isch, da base da União Nacional dos Educadores e integrante da Rede Sepa, também relatou um cenário de criminalização das lutas no Equador, o que levou à marca atual de 200 sindicalistas acusados de serem “terroristas”. “Para [Rafael Correa, presidente do país], tudo o que se opõe ao [que ele considera] desenvolvimento é terrorista”, disse Edgar, assinalando que isso ocorre apesar de não existirem organizações terroristas no país.

Assim como no Brasil com Lula, a ascensão de Correa ao governo do Equador levou a expectativas de mudanças e transformações sociais, que, segundo ele, não se concretizaram. Ao contrário, o próprio governo admite que segue fazendo o que se fazia antes, só que de uma forma “melhor”. “Não puderam privatizar uma série de coisas, mas não significa que não apliquem o modelo neoliberal”, sustentou Edgar. Na área da educação, isso levou a um duro enfrentamento com a União Nacional de Educadores, uma das mais fortes entidades sindicais do país. Ao ponto de o governo ter cogitado trazer cinco mil professores da Espanha para trabalhar no Equador, numa tentativa de enfraquecer a organização sindical do setor.

Escolas sob bombas

O educador palestino Ahmed Sehweil – da direção do sindicato que reúne educadores em Gaza, Cisjordânia e em escolas palestinas da ONU em outros sete países – descreveu uma escola em meio a uma guerra desigual, que provoca uma situação absurdamente precária diante da ocupação e dos bombardeios israelenses. Na Faixa de Gaza, as bombas já atingiram seis escolas. “Nosso sindicato enfrenta uma situação que talvez não seja vista em nenhum lugar do mundo”, disse, ao contar que em 2013 um congresso da categoria na Cisjordânia não pode contar com os trabalhadores da Faixa de Gaza e das escolas da ONU em outros países porque Israel não permitiu – eles acabaram participando por intermédio de uma vídeo-conferência.
Segundo ele, os salários nas áreas ocupadas são muito baixos e as condições de trabalho, precárias.

Não bastasse isso, ainda não estão livres da repressão por parte do próprio governo palestino. No ano passado, contou, uma greve da categoria foi duramente reprimida e punições mais graves só não foram concretizadas porque os trabalhadores realizaram uma grande manifestação na Cisjordânia. “A gente leva uma luta em duas direções: uma por nossos direitos e salários, que [enfrenta] a Autoridade Palestina, e outra contra a ocupação”, disse, ressaltando que a prioridade no momento é enfrentar a ocupação israelense, o inimigo. “Nossos professores e nossos estudantes são obrigados a encarar o Exército todos os dias para chegar às suas escolas. Vocês podem imaginar o Exército invadindo a sala de aula e prendendo um estudante?”, disse. Ao final, ele agradeceu e se disse muito feliz com o apoio que a causa palestina recebeu no Brasil – uma moção de solidariedade ao povo palestino, que defende o fim do “genocídio e da ocupação” impostos por Israel, foi aprovada por todos.

Hélcio Duarte (Rio de Janeiro)
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