segunda-feira, 30 de novembro de 2015

'Se Brasil formasse médicos como professores, pacientes morreriam', diz Mercadante

Essa afirmação do Ministro da educação é um ultraje aos educadores. 
Sua função num dos mais importantes ministérios do país deveria ser a de  garantir educação de qualidade, com valorização dos trabalhadores em educação; condições dignas de trabalho e instalações físicas adequadas para professores  e alunos e não o de insultar os educadores que, mesmo com todas as dificuldades que seu governo coloca, estão cotidianamente nas escolas dando sua vida para que a educação tenha um mínimo de qualidade. 
Na entrevista (abaixo) Mercadante, além de insultar os professores, coloca uma concepção de educação privatista, meritocrática e reducionista.
A direção estadual do SindUte e a CNTE devem dar uma dura  resposta a essa entrevista do ministro.


ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

Mais profissionalização é a resposta do ministro da Educação, Aloizio Mercadante, à análise de economistas de que falta qualidade ao ensino brasileiro e, sem isso, a economia do país não crescerá de forma sustentada.
A formação dos professores tem que se voltar para a prática, diz: "Se formássemos nossos médicos como formamos nossos professores, os pacientes morreriam".
O ministro critica o desempenho das universidades que preparam os docentes —"principalmente no setor privado"— e diz que o MEC vai exigir contrapartidas para repassar as verbas dos programas federais.
Mercadante afirma que há simpatia à ideia de incluir o ensino profissionalizante no currículo do ensino médio e propõe vincular o Pronatec, de formação técnica, ao EJA, antigo supletivo.
Defende a política de dar prêmios em dinheiro a escolas e professores que atingirem metas e acha que entregar a administração escolar a Organizações Sociais (entidades privadas sem fins lucrativos) pode dar bom resultado.
Não apoia, no entanto, a política de "charter schools", em que escolas privadas recebem do Estado para prestar o serviço da educação gratuita.
Folha - Vários economistas têm dito que o Brasil não vai crescer de forma sustentada sem aumento de produtividade, e a qualidade da educação está na raiz desse aumento. Por que o ensino não melhora?
O Brasil tem que acelerar sua transição para uma economia do conhecimento. Educação, ciência e tecnologia e inovação são a base dessa estratégia.
A educação, principalmente, se estiver melhor articulada com o setor produtivo.
O empresariado brasileiro tem uma certa dificuldade em ter cultura inovadora, o que tem muito a ver com sermos um capitalismo tardio, em que o empresário acha que inovar é comprar máquina pronta e acabada e não fazer melhor, mais barato, mais eficiente que o que fazia antes. Este caminho é o que nos vai permitir avançar. Conseguimos isso na agricultura.
É uma área em que o Brasil tem vantagens competitivas.
Mas não é só porque temos terra e água. Temos a Embrapa, temos tecnologia, uma indústria de máquinas e equipamentos.
E capital também.
Mas é isso que gera o capital. Inovação, competitividade e eficiência vão atrair o capital e modernizar o setor.
O caminho tem que ser como o do brigadeiro Montenegro [Casimiro Montenegro Filho], que criou o ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica], para formar uma geração de engenheiros, para que pudéssemos ter uma indústria aeronáutica.
O foco era a indústria, mas o alicerce era educação.
Ele quis chegar, e chegou, à indústria aeronáutica e astronáutica, mas pela educação.
Esse deveria ser o caminho do Brasil. Precisamos mais dessa parceria com universidades.
Por que o Brasil não está conseguindo melhorar a qualidade do ensino?
Está avançando. Educação é muito complexa: uma rede de 50 milhões de alunos, 2 milhões de professores, com o histórico que herdamos, é um processo.
Avançamos muito no acesso às creches, na educação infantil, no ensino fundamental. A jornada escolar está aumentando. Passamos de 4,7 anos para 8 anos em menos de 15 anos. Na universidade, nem falar. Eram 2,5 milhões nos anos 2000, agora são 7,5 milhões e meio.
Mas o problema não é o acesso.
Acesso e permanência.
O sr. não citou o ensino médio, em que o acesso, a permanência e a defasagem não são boas.
Em 1991, havia 2,4 milhões de estudantes no ensino médio. Hoje são 7 milhões.
Mas só 70% estão no ensino médio, grande parte fora da idade correta.
Mas houve uma inclusão de quase 5 milhões de jovens, num período muito curto. O problema é o que herdamos.
Mais do que dobramos a rede, e foi a rede pública que suportou esse crescimento, pois a privada praticamente não se alterou.
Houve grande avanço em termos de acesso e permanência em todos os níveis, inclusive no ensino médio, que acho que merece uma reflexão maior, porque é mais complexo.
O Ideb [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, que leva em conta aprovação escolar (chamada de fluxo) e médias de desempenho nas avaliações], ao incluir o fluxo, sinaliza a importância de não deixar nenhuma criança para trás.
E houve avanço também na aprendizagem, que é a coisa mais importante, o foco da educação. A meta mais importante é a da qualidade, em todos os níveis.
No caso do Pisa [Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que avalia estudantes na faixa dos 15 anos], a fotografia ainda é ruim, mas o filme é muito bom.
O fato de que o Brasil foi o que mais evoluiu no mundo, passou países da América Latina dos quais sempre estivemos atrás, tendo feito uma inclusão dessa magnitude, mostra que houve um avanço importante, mesmo em relação à qualidade.
Quando pegamos nossa amostra, de 950 escolas e jovens de 15 anos, a média é problemática. Onde está a dificuldade real? Não é na média. São os pobres. Onde não avança, onde o Ideb não avançou no ritmo que se esperava é no último quartil da renda, nos 25% mais pobres, que vêm de uma família não letrada, que já na infância tem um vocabulário em média de um terço do das famílias letradas.
É essa criança, a criança da periferia das grandes cidades e das pequenas cidades do interior, a criança que não está indo para a pré-escola. Elas não desenvolvem as habilidades cognitivas e não cognitivas na idade adequada.
Já identificamos a dificuldade da leitura, do aprendizado da escrita e dos elementos básicos da matemática —22% das crianças não leem na idade adequada, 34% não escrevem e metade não aprende a matemática até os oito anos.
E, se a criança não aprendeu a ler, não vai ler para aprender. Quando passa para a sexta série, se desorganiza. É o primeiro momento da evasão.
E no ensino médio, com 18, 19 disciplinas, não consegue mais acompanhar.
O foco tem que ser na leitura, na redação e na matemática.
Damos bolsa para 300 mil professores e professoras, 600 mil formadores das redes de universidades federais. Em algumas, avançou muito. Noutras não avançou nada.
Em muitos cursos de pedagogia e licenciatura estamos tendo uma formação teórica interessante, uma reflexão sobre a filosofia da educação, a teoria da educação, mas muito pouco de prática de aprendizagem na sala de aula.
O Estado de São Paulo está mudando isso agora. Existe uma disposição do governo federal para mudar também?
Estamos trabalhando fortemente para isso.
Se nós formássemos os nossos médicos como formamos nossos professores, íamos ter uma crise na saúde dramática. Porque, se um médico chegar à frente de um paciente e começar a refletir sobre a teoria da saúde, sobre ética e saúde, filosofia da saúde, o paciente morre. Ele tem que fazer o diagnóstico e dar a terapia.
Se o engenheiro não botar o prédio na planta e fizer o cálculo, se começar a refletir sobre as várias opções da teoria da construção civil, o prédio vai cair.
Não que a gente tenha que abdicar de uma reflexão teórica abrangente na educação, mas tem que ter a prática, como aprender, como transmitir conhecimento, como liderar uma sala de aula, como observar os alunos, acompanhá-los.
Qual o obstáculo para mudar o currículo?
A grande mudança de que precisamos é fazer a base nacional comum curricular. Ela vai exigir, como em outros países, uma rediscussão dos cursos de pedagogia e licenciatura. Vai definir o que é o direito de aprendizado de qualquer aluno em qualquer lugar do território nacional. Isso reorienta os cursos de pedagogia. Temos que repactuar. O grosso dessa formação está se dando na rede privada.
Temos alguns instrumentos para ajudar na construção. Um é o Pibid [Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência, que dá bolsas para estágios na formação de professores], com 90 mil bolsistas, e o Pafor [Plano Nacional de Formação de Professores da Educação Básica], que já é para a rede.
Damos 90 mil bolsas e só 18% viram professores da rede. O projeto é da faculdade e não da rede. Temos que ter exigências da rede.
Vai direcionar para matemática e português?
E para aprendizagem. O MEC vai monitorar esses estágios e estabelecer condições. O foco é a aprendizagem do aluno. Com isso, vão ser formados dentro de uma nova concepção, em vez de só fazer um trabalho para a faculdade sem qualquer compromisso para a escola.
Hoje, quem escolhe a escola é o aluno ou a faculdade, e não o MEC nem a rede.
Como fazer na prática?
Como fizemos com o Fies [Fundo de Financiamento Estudantil, que financia estudantes do ensino superior]. A inscrição será no portal do MEC, que vai estabelecer quais as escolas prioritárias, vai rediscutir o programa com as faculdades, focado nas prioridades educacionais.
O que o Fies está fazendo é induzir o sistema à qualidade: "Ora, melhora a qualidade e você tem mais bolsas". Evidente que tirou o sistema da zona de conforto.
Então houve falta de objetivos ao expandir tanto o sistema sem esses critérios?
Não, acho que, na política pública, você vai aprimorando e construindo em cima de uma experiência concreta. Vai identificando os problemas em cima do que vai construindo.
Por que foi preciso fazer uma revisão do seguro-desemprego, que está aí há anos? Da aposentadoria? Da pensão por morte? Porque são programas sociais que precisavam de ajustes.
Na educação é a mesma coisa. Por exemplo, no Plano Nacional para a Alfabetização na Idade Certa, percebemos que não adianta fazer uma relação direta com as universidades, em algumas funcionou muito bem, mas em outras não está havendo aumento do aprendizado na sala de aula.
Precisamos melhorar no Nordeste, e é possível. Há boas experiências, no Ceará e na Bahia, vamos fazer um programa especial para o Nordeste.
No Ceará houve um investimento muito forte na gestão, na profissionalização dos diretores, na autonomia para contratar e demitir professores. Existe alguma disposição do MEC de incentivar também esse movimento?
Concordo inteiramente. O mais importante na aprendizagem é a relação professor-aluno, e a segunda coisa é o papel do diretor.
O diretor é imprescindível, precisa ter noções de administração, orçamento, gestão, pedagogia, habilidade e formação para administrar conflitos não violentos, criar uma cultura de tolerância. É quem tem que preencher quando os professores faltam, e estão faltando demais em muitas redes.
O MEC vai ter um programa de formação e criar uma certificação de diretores. Os diretores serão escolhidos já com essa certificação: quem quiser ser diretor terá que se qualificar previamente. Para ser certificado, precisará passar por uma avaliação e elaborar um projeto pedagógico para sua escola. Isso pode dar um salto importante.
Mas voltando um pouco à questão da qualidade, não é só o quartil mais pobre que tem desempenho pior, mas em todos os quartis o aprendizado do aluno brasileiro é mais baixo que o de países semelhantes. Não é um sinal de dificuldade para melhorar a educação? Onde está travando a melhoria do ensino?
O próprio Pisa, em seu relatório, aponta o Brasil como um país que foi capaz de aumentar a inclusão de alunos e a aprendizagem. Muitos desses alunos vieram de regiões rurais, mais pobres. Nós evoluímos trazendo a pobreza para a escola, a população de famílias de pouca escolaridade. E apesar disso a nota de matemática melhorou em todos os níveis.
Não vejo problema em comparar o Brasil com países da OCDE. Mas temos uma renda per capita de US$ 15.838, dados de 2014, e a média da OCDE é US$ 38.766. Eles investem muito mais por aluno. Nosso investimento em porcentagem do PIB é maior que o deles. A ONU recomenda de 3% a 4% do PIB, estamos investindo 6%, mas nosso PIB per capita é muito menor, nosso orçamento por estudante é muito menor.
Mas países semelhantes ao Brasil, como México, Chile, têm obtido melhor resultado.
O Brasil fez uma política de inclusão fantástica, sem precedentes, e, apesar disso, está melhorando a qualidade.
Onde está melhorando menos é nessa população que entrou na escola tardiamente e traz essa herança. Esse jovem de 15 anos é dessa escola do passado. Precisa andar mais rápido? Precisa. Por isso estamos repensando, buscando integrar os programas com foco no aprendizado.
E mudando a política de formação e valorização dos profissionais. O Piauí, por exemplo, está dando um 14º salário se houver mais de 25 alunos por sala, o resultado do Ideb superar a meta e assiduidade dos professores ficar dentro do estabelecido.
No Ceará, o município tem aumento do ICMS se tem bom resultado. Precisamos ter mais criatividade, mais inovação, mais motivação dos profissionais na sala de aula.
A motivação passa então por um reconhecimento em dinheiro?
No caso dessas redes, o que estou vendo é que esse mecanismo de valorização, de bonificação pelos resultados, está tendo sucesso. Vamos olhar essas experiências sem preconceito.
Em São Paulo houve essa experiência e a conclusão foi de que não dava o resultado esperado.
Estou jogando luz sobre experiências que estão dando certo já há vários anos. O que me preocupa são algumas propostas como o programa do PMDB, que ainda vai ser discutido -espero que de forma aprofundada-, de retirar as vinculações de tributação.
Se retirar a obrigação do prefeito de investir em educação, do governo do Estado, da União, se retirar a obrigação de que o dinheiro do petróleo e do fundo social venham para a educação, como vamos garantir os recursos que estão faltando?
Porque, apesar da vinculação, nosso investimento per capita é baixo quando comparado com os países mais desenvolvidos. Se retirar a vinculação, vai tirar dinheiro da educação.
Se é verdade que educação não se resolve com dinheiro, não se resolve sem dinheiro nem com menos recursos.
Temos um problema de financiamento da educação, principalmente em relação às metas do PNE [Plano Nacional da Educação], que são muito ambiciosas e propõem que a gente chegue a 10% do PIB. Só não discute como. E o PNE não pode virar o tratado de Kyoto, com o que todo mundo concorda, mas depois ninguém consegue cumprir. Temos que discutir o financiamento da educação, formas de financiamento novas, que viabilizem, porque é um investimento estratégico.
Mas o investimento em educação no Brasil vem crescendo em proporção do PIB ano a ano, sem uma melhoria correspondente. O Ipea divulgou recentementeum estudo mostrando que o gasto em educação no Brasil é pouco eficiente. Por que o dinheiro não está dando o resultado esperado?
Mas pusemos 5 milhões de jovens no ensino médio, 5 milhões de estudantes universitários a mais. Estamos comparando com países cuja população total é menor do que o que colocamos a mais.
Não é um problema então de má administração dos recursos?
Não. Houve um esforço brutal de inclusão social. Resolvemos alguns problemas, como em relação ao analfabetismo. Em 2004 era 11,5% e estamos com 8,3%. Até os 20 anos, 0,9%, erradicamos o analfabetismo. Até 30 anos, são 2,1%.
Mas o analfabetismo funcional ainda é alto.
Mas tivemos que trazer milhões de jovens, 5 milhões a mais no ensino médio, 5 milhões na universidade.
NoPronatec, fizemos um programa com 9 milhões de matrículas no ensino técnico profissional. "Ah, mas e a qualidade?" Aí vocês não dão destaque, mas deveriam ter falado do World Skills, olimpíada mundial do ensino técnico, em que o Brasil foi primeiro lugar em 69 países.
Fui à assembleia da Unesco e todos os ministros da educação dos países ricos queriam discutir Pronatec. E a pergunta é a seguinte: como um emergente tirou primeiro lugar no World Skills? O que vocês fizeram?
Há um esforço forte de formação da rede Sest/Senai, não?
Mas, das 35 medalhas de ouro que tiramos, 28 tinham bolsa do Pronatec. Foi a parceria que fizemos. A rede Sest/Senai faz um trabalho excepcional, e nós trabalhamos em íntima parceria. Massificou o acesso.
Por que o Brasil é bom em futebol? Porque em cada esquina tinha um campinho de futebol. Por que nós somos bons de vôlei de praia? Porque temos muita praia, o pessoal começou a jogar vôlei. Onde o brasileiro tem chance e oportunidade, temos bons desempenhos. Na hora em que se massificou o ensino técnico profissional surgiram os talentos e nós ganhamos a olimpíada.
Mas o World Skills não reflete todo o ensino. Os participantes fazem um treinamento intensivo, de meses, para participar.
Ah, só nós, né? A Coreia não faz? Você acha? Todos esses países fazem treinamento especial.
Nós investimos R$ 1,6 bi nos centros de formação técnica do Senai para criarmos uma cultura de inovação. Precisamos dessa parceria. Temos um sistema excelente de formação técnica, mas sem escala. Precisa ter escala. Neste ano, com restrições orçamentárias, o Sistema S vai colocar mais recursos, R$ 5 bilhões, cada um na sua área. Vão assumir com mais protagonismo o Pronatec, a Embrapii e outros programas de parceria.
Em troca de não perder uma parcela do imposto que era repassado pelas indústrias.
Exatamente. Muito melhor construir uma parceira, um acordo.
Por que o ensino profissionalizante não está incluindo na base comum curricular?
Grande questão. Sobre o ensino médio, um dos grandes problemas é que, apesar de entrarem 5 milhões de alunos, temos evasão e uma escola que tem que ser mais motivadora e agradável. 20% dos jovens de 18 a 24 anos estão na universidade. Onde estão os outros? O que oferecemos a eles? Só um ensino regular? Não é suficiente.
Na base nacional comum do ensino médico, temos que trazer uma base técnica profissional. Porque esse jovem está olhando o mercado, e muitos estão saindo para buscar uma oportunidade.
É preciso criar um diálogo com o ensino técnico profissional já no ensino médio, sem prejudicar nem desmotivá-los a ir para a universidade, se quiserem, ou para uma escola técnica de dois anos pós-médio.
Mas ter um ensino técnico concomitante com o regular.
As escolas com melhor desempenho no Enem e no Ideb são as que integram as duas coisas.
E por que o ensino técnico não foi incluído na base comum curricular?
Outro ponto é o do EJA [Educação de Jovens e Adultos, o antigo supletivo]. O Fundeb investe R% 5,7 bilhões por ano. Dos matriculados, só 9,4% concluem e são certificados. Os diretores de rede têm interesse na matrícula porque ela assegura participação no Fundeb. Mas é evidente que ele tem que ser repensado.
Vai se criar algum tipo de condição?
Só vejo um caminho: a relação com o Pronatec. Trazer o ensino técnico profissional para essa população adulta que tem uma grande defasagem idade-série.
Tenho um secretário-executivo cujo pai é pedreiro. Tem mais de 60 anos. Ele perguntou "Pai, por que o senhor não conclui o ensino médio?" O pai respondeu "Eu trabalho oito horas por dia, carrego saco de cimento, tijolo, sustentei vocês todos com meu trabalho de pedreiro. Vou estudar geografia, história, filosofia, sociologia, à noite, cansado o que isso vai mudar na minha vida a essa altura do campeonato". É uma pergunta básica. Aí meu secretário perguntou "Mas o senhor consegue ler a planta do engenheiro?" "Não, quem faz isso é o mestre de obras". "E se tivesse uma formação para ler a planta e pudesse ser mestre de obras?" "Onde é esse curso, que eu quero entrar."
É evidente que uma formação do EJA que parte da formação que o profissional já tem, se isso é reconhecido, certificado, e dou uma formação para dar um passo na profissão, esse profissional vai estudar com paixão. Foi o que o Pronatec mostrou.
Por que 9 milhões foram para o Pronatec e no EJA só 4,9% concluem? Porque querem uma formação voltada para o mercado de trabalho.
Mas a grande maioria do Pronatec, 70% desses 9 milhões, fez cursos de curta duração.
Porque são duas coisas distintas, uma parte é formação técnica e outra é tecnológica. Para a mãe do Bolsa Família, a porta para saída do programa é o Pronatec, para tentar entrar no mercado de trabalho, montar uma microempresa.
A mesma coisa em relação ao trabalhador desempregado. Se ele faz um curso de requalificação profissional, tem mais chance de se reinserir no mercado de trabalho num melhor padrão.
Temos que aproveitar a crise, é um momento tão importante que a gente não pode desperdiçar. A crise no mercado de trabalho vai exigir mais formação. Temos que aproveitar o desemprego e oferecer: "Venha estudar, que o Brasil vai ganhar mais eficiência e mais produtividade".
Por outro lado, um estudo do Ministério da Fazenda com 160 mil desempregados, que acaba de ser publicado, concluiu que os cursos de curta duração do Pronatec não aumentam a empregabilidade nem a renda.
Não concordo com aquele estudo, que é do terceiro escalão do Ministério da Fazenda.
O MEC tem algum estudo semelhante?
Tem, o Senai tem e o Banco Mundial também teve mostrando que não é este o caminho. Em 2014, com uma taxa de desemprego de 4,7%, falar que não teve empregabilidade alta com amostra absolutamente pequena em relação ao programa Não acho um dado relevante.
Como o MEC acompanha a empregabilidade dos alunos do Pronatec.
A empregabilidade quem tem que acompanhar é o Ministério do Trabalho.
Mas o objetivo do programa é a empregabilidade, certo?
Sempre. Ou fazer com que quem está empregado cresça profissionalmente.
Mas, quando se implanta um programa, é preciso fazer ajustes. Fizemos uma pesquisa para olhar em cada microrregião qual o perfil, qual o emprego portador de futuro daquela região, para oferecer uma formação técnico-profissional ligada à perspectiva do mercado de trabalho.
É preciso uma análise da estrutura produtiva e da perspectiva futura do mercado de trabalho. Não é simples fazer isso.
O sistema S tem que lutar para que o aluno conclua o curso e não simplesmente se acomodar porque recebe um repasse de recurso.
Tudo isso tem que ser aprimorado. Agora, o resultado é fantástico. Quem não quer ver é só olhar para o World Skills.
Um dos problemas...
...Eu não gosto dessa discussão. O ajuste fiscal tem que ser feito, nós temos uma situação fiscal difícil. Mas não dá para fazer uma análise simplificatória de políticas sociais para justificar ajuste fiscal, isso não é um ajuste de boa qualidade.
O que o senhor está chamando de análise simplificatória é esse estudo da Fazenda?
Não... estou falando só preventivamente.
No caso do Fies, acha que houve também análise simplificatória?
Não, acho que houve uma mudança indispensável. Participei desse processo que te descrevi.
Uma das causas desse descasamento entre quantidade e qualidade não é a falta de parâmetros de avaliação da política pública em educação?
Mas há uma avaliação.
Descrição: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/11/1712167-se-pais-formasse-medicos-como-professores-pacientes-morreriam-diz-mercadante.shtml#
Não estou me referindo ao ensino básico, mas a esses programas voltados para a produtividade.
O Brasil é uma referência. Os países desenvolvidos todos estão discutindo o Pronatec e o World Skills. Os países pobres, a África portuguesa, onde ajudamos a implantar a rede de ensino, o olhar deles é para o nosso sistema de avaliação. Porque a maioria dos países não tem um sistema de avaliação da universidade privada.
Nós temos o CPC [indicador de qualidade de cursos superiores] e vamos introduzir o fluxo agora. Uma universidade que forma mais alunos em porcentagem terá um bônus. Os cursos que tiram notas ruins perdem não só o Prouni e o Fies, mas perdem o vestibular.
Há que ter rigor na avaliação. O Ideb, a ANA, são sistemas de avaliação.
Mas estou perguntando sobre os programas específicos voltados a aumento de produtividade e inovação. O quanto se acompanham as pessoas que receberam o investimento? O investimento em ensino superior, que é alto no Brasil, beneficia o aluno, individualmente. Como o MEC acompanha o retorno desse investimento em termos de desenvolvimento do país? Aumentou o número de patentes de quem ganhou o Ciência sem Fronteiras? Eles voltaram para o país? Como avaliar se esse dinheiro está sendo bem empregado?
Temos que aprimorar os programas. O Ciência sem Fronteiras não é diferente, e estamos discutindo.
Mas precisamos internacionalizar. Um estudante desses que volta motivado, aprende línguas, tem um universo aberto, isso terá um impacto nessas instituições. Nos rankings internacionais, um dos problemas da universidade brasileira é a falta de internacionalização. Em muitos países, fizemos acordo com a indústria para que eles façam estágio nas empresas. Fizemos um portal em que as empresas podem encontrar os alunos, contratar para fazer P&D (pesquisa e desenvolvimento).
E existe um acompanhamento do que aconteceu com esses alunos na volta, em comparação com os que não foram?
Existe e isso é uma parceria que estamos fazendo com todas as reitorias acadêmicas, que monitoram o programa, para avaliar.
Existe já um relatório das avaliações?
Não tenho de cabeça, mas em geral a avaliação é muito positiva.
Em termos de quê?
Da atitude dos estudantes. Eles voltam muito mais motivados, muito mais focados no trabalho, com um projeto de vida, um projeto técnico-científico, mais dedicação ao estudo. Você abre um horizonte fantástico, eles voltam com muito mais garra para o desempenho. [Após a entrevista, o ministro enviou uma pesquisa de avaliação subjetiva do programa feita pelo Senado com bolsistas e ex-bolsistas. Enviou também pesquisas quantitativas que mostram impacto positivo do Pronatec para beneficiários do Bolsa Família e o estudo "Inclusão Produtiva Urbana: O que fez o PRONATEC / Bolsa Formação entre 2011 e 2014", também do Ministério do Desenvolvimento Social, mostrando aumento da empregabilidade de egressos do Pronatec ].
Faz sentido para o Brasil gastar tanto mais por aluno do ensino superior que com os do ensino básico?
É evidente que uma universidade é mais cara. Não adianta pensar a educação se não pensar de forma integrada. Sem boas universidades para inovar, fazer patentes, formar bons professores, técnicos, profissionais, o país não tem competitividade.
E na sua avaliação as universidades estão fazendo isso hoje?
Tivemos uma expansão muito grande, estamos fazendo uma reavaliação da metodologia de avaliação dos cursos de pós-graduação. Temos mais ou menos 6.500 cursos de pós-graduação, que produzem por ano hoje 500 mil títulos, livros e publicações em revistas especializadas e indexadas. Não se pode avaliar só pela métrica do volume e pelas citações. Estamos tentando introduzir uma dimensão maior da qualidade. Até março pretendemos concluir o estudo.
Citações não são uma medida de qualidade?
São um indicador, mas não pode ser o único.
Quais os outros?
É isso que estamos analisando, as experiências internacionais, para tentar introduzir.
É a favor de trazer OSs [organizações sociais, entidades privadas sem fins lucrativos que prestam serviços públicos] para gerenciar escolas públicas?
É uma experiência que tem que ser olhada rede por rede. É uma decisão da rede, tem que avaliar e verificar o resultado.
Em tese, o senhor é a favor?
Tenho muita simpatia pelas OSs em ciência e tecnologia e inovação. O Impa [Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada] é o quinto centro em matemática no mundo e é uma OS. Ele tem uma agilidade muito importante. Não conseguiríamos fazer o Enem se não houvesse parceria com OSs, que têm muita agilidade.
Tem que ter controle, transparência, contrato de gestão, tem que estabelecer contrapartida, mecanismo eficiente de gestão. Não é uma solução para tudo. Mas é um caminho.
E as "charter schools" [sistema em que o governo contrata escolas particulares]?
Vou aguardar, temos que tomar muito cuidado, pois essas são definições das redes. É preciso acompanhar, avaliar e à medida que forem exitosas a rede vai estar aberta a discutir. Vi algumas experiências de PPP para construção de equipamentos muito interessantes. A parte pedagógica é do Estado, mas a construção e a gestão são privadas.
As "charter schools" dão um passo além: a parte pedagógica é também da empresa contratada.
Nisso acho que perdemos a visão do direito do cidadão de qualquer escola pública ser responsabilidade do Estado. Os bons sistemas de educação do mundo tem professores estáveis e da rede pública.
Então o senhor é contra?
Não vejo necessidade. Não há consenso na literatura em relação aos resultados. É uma experiência piloto, nunca foi majoritária em nenhum lugar do mundo.
O sistema privado no Brasil pode disputar os alunos. No ensino médio, eles não têm aumentado. As boas escolas da rede pública estão sendo disputadas, não vejo necessidade desse caminho no Brasil.
É responsabilidade do Estado ter uma base comum, que todo aluno tenha um aprendizado que é o mesmo no país, é um direito essencial que tem que estar assegurado.
Nas universidades, investimos um pouco mais por aluno, é verdade, mas as públicas são as melhores do Brasil. Essa ideia de que o Estado não pode dar boa educação não se sustenta nem empiricamente. Com criatividade e inovação, faz-se uma boa rede pública.
Na parte administrativa, agiliza, barateia. Mas o projeto pedagógico é um projeto de país, um projeto público. E um direito básico de todo cidadão.
E o ensino profissionalizante vai entrar na base comum?
Vejo grande simpatia por parte de todo secretário. A rede de ensino médio é basicamente estadual. Houve encontro em Manaus e vejo grande simpatia por parte dos secretários estaduais que uma parte da carga horária e da estrutura curricular seja técnica profissional.
O senhor vê com preocupação o aumento da influência do ex-presidente Lula no atual governo?
[pausa] O que você ia perguntar sobre educação, mesmo? 
Fonte: Jornal Folha de São Paulo.